meu amor
eu posso até fingir que sou outro
utilizar o estereótipo intelectual contemporâneo de pacotilha ##
e colocar hastes mais grossas nos meus olhos
e um ligeiro ar de tédio que disfarce a minha ignorância
meu amor
eu posso até fingir que não sou eu
e dançar cantar sorrir até vestir roupagem muito espampanante
e sugerir ser grande amante que te passa a roupa a ferro
e manda as altas gargalhadas no café
mas não consigo encarnar
às vezes tento aldrabar
é-me impossível mentir
eu não consigo fingir
meu amor
eu posso até fingir que vou fingir
ser doce e generosa alma, preocupado, reciclador feroz
um homem verde deslumbrado um homeopata alternativo
atento ao mundo, extasiado e positivo
meu amor
eu posso até sorrir enquanto faço de bêbedo indiscreto,
desgraçado com a vida que janta ovos e maços de tabaco
e entregar-me ao romantismo desmesurado
e niilismo exacerbado, à depressão e ao lamento
mas não consigo encarnar
às vezes tento aldrabar
é-me impossível mentir
eu não consigo fingir
meu amor
eu posso até começar a ir à bola, excitar-me nos estádios
comprar jornais diários fazer reverência à transferência
e começar a usar palavras como ripa na chulipa
ficar raivoso nas derrotas, lambão quando vencer
meu amor
eu posso até fingir que sou o rico
do dinheiro sempre pronto com o 6g em cima da mesa,
"é abonado com certeza"
e esmerar-me nas viagens, sempre com as melhores bagagens
ter um carro todo gringo para o sushi ao domingo
só não consigo fingir
eu não consigo mentir
só não consigo fingir
é que não gosto
de ti